Chico Buarque: "Tanto mar"




Tanto Mar (1ª versão, 1975)



Sei que está em festa, pá

Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor no teu jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, que é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim




Tanto Mar (2ª versão, 1978)



Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto de jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim



  • "Tanto mar" comemora a vitória do Estado democrático, em festa.
  • É uma das músicas mais emblemáticas de Chico Buarque.
  • É a esperança cantada, uma homenagem à liberdade e à Revolução dos Cravos de 25 de abril de 1974, que pôs fim à ditadura portuguesa.
  • Esta música foi proibida. A censura brasileira proibiu a sua divulgação e apenas foi autorizada a sua inclusão no álbum de Chico Buarque como tema instrumental.
  • Existem duas versões – a 1º de 1975 e uma segunda em 1978 (alterada pois em 1978 o rumo da
  • Revolução dos Cravos tinha-se alterado um pouco).

Análise da música

Composta no final da década de 70, Tanto Mar mostra-nos uma espécie de carta escrita por um português no Brasil para outro português em Portugal. A chave para abrir a análise da música é saber o que se passava, nos anos 70, em ambos os países: regime ditatorial.


No Brasil, Ernesto Geisel assumia a presidência em 74, sendo o sucessor do "Você" (Apesar de Você) de Chico, Emílio Médici; em Portugal, no mesmo ano de 74, era derrubado o regime ditatorial - que durou cerca de 41 anos - ídealizado por António de Oliveira Salazar, por uma revolução popular que ficou conhecida como Revolução dos Cravos. 

A melodia da música é o Fado, um ritmo português alegre e dançante cuja origem é desonhecida.
Perceba que a primeira letra é escrita toda no tempo Presente, para simbolizar que a revolução está se passando no exato momento da escrita da carta. Evidente que a festa, a qual Chico - ou o português no Brasil - se refere, é a própria Revolução dos Cravos. 

Na segunda estrofe da letra censurada - e da não censurada também -, Chico comenta o imenso Oceano Atlântico que separa os dois países (Brasil e Portugal) para, celebremente, citar uma frase de Fernando Pessoa, poeta português: "Navegar é preciso; viver não é preciso". Isso aparece no trecho: 

"Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, que é preciso, pá
Navegar, navegar"

Na última estrofe, 

"Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim"

Chico fala da "primavera", do aparecimento das flores, dos cravos, LÁ, em Portugal. Porém Cá, no Brasil, ele está doente. Doente, ainda, de um vírus chamado Médici.

E a música termina com o português do Brasil pedindo, urgentemente, um cheirinho de alecrim, uma planta portuguesa que exala um aroma forte e agradável , para ajudá-lo a respirar melhor.

Interessante também é o contexto que Chico dá em todas as suas músicas. Em Tanto Mar, ele abusa do "pá" no final das frases, que é uma "corruptela" de 'Rapaz', em Portugal.

Além disso:
usa de verbos no imperativo - tempo muito usado lá; 
troca o "aqui" por "cá"; 
concorda os verbos e pronomes com a 2ª pessoa do singular (tu), como se vê em "...Com a TUA gente...", "...Uma flor no TEU jardim...".

Perceba que agora Chico escreve a segunda letra no tempo Passado, para passar a ideia de uma letra póstuma, do término da Revolução e, acima de tudo, do seu desando: em 25 de novembro de 1975, um golpe militar pôs fim ao PREC (Processo Revolucionário em Curso).

Informações retiradas do blog: http://ame-o-poema.blogspot.fr/2009/01/tanto-mar-chico-buarque.html

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